terça-feira, maio 30, 2006

Como é que ele me vai salvar a mim?

Foi algo do acaso. Uma conversa de café. No meio de um pastelito. O meu café da manhã. Que vício! Ele estava sentado noutra mesa. Começou a falar meio meio. Entre dentes. Eu ouvia. Não sei para que existem padres. Eu não sabia se havia de fazer de conta ou contar mesmo. Não precisei de decidir porque decidiu por mim. Ó padre, isto é um engano. Dizem que Deus salva as pessoas. Já me disseram que o senhor disse que ele queria salvar toda a gente. Escrevo de propósito com letra pequena porque estou convencido que foi assim que ele falou, com letra pequena. Como é que ele me vai salvar a mim? Referia-se com certeza ao facto de Ele se ter afastado da Igreja depois do Crisma. Pensava ele que me estava a desarmar, desafiando-me. Respondi. O curioso é que Deus criou-nos por amor, porque quer amar o homem, porque o quer ver feliz, porque quer ser feliz com o homem. Então e Jesus? Continuou o desafio. Jesus, o filho de Deus veio ao mundo para nos salvar. E como é que nos salvou? Porque nos ensinou a todo o custo, até com a Sua morte, o que era o amor, como se devia amar. É essa a salvação. A felicidade que provém do amor, da forma como se ama. Ele riu à gargalhada. Então ele quer que o amemos. Isso não será egoísmo? Querer que os outros nos amem?! Consegui, pensei com os meus botões. Aí é que está. Ele ama-nos independentemente de O amarmos. Ama porque quer. Isso é que é o verdadeiro amor. Por isso é que Ele não está apenas interessado em salvar os da Sua cor. Quer salvar todos, porque ama a todos. Porque não é egoísta. É por isso que também pode ser salvo.
Não sei se o convenci. Mas a mim, sim. O certo é que se calou. Tipo, por esta é que eu não esperava.
“Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” Act 10, 26

sábado, maio 27, 2006

A fé dos aquecedores

Apesar de ter sido acesa há umas semanas atrás, a fogueira arde, mostra as suas labaredas, umas vezes mais fortes, outras mais do tipo estou quase a deixar de ser. Apagar-se-ia, sem dúvida, se não a alimentassem. Mas alimentam. Há muita gente que gosta de deitar coisas para a fogueira. Sobretudo palavras que joguem em sua defesa e deixem no ar a ideia de que somos perfeitos, sabemos de tudo, como fazer em tudo, como o mundo seria melhor. Bom, vamos à fogueira, que é como dizer, vamos ao assunto. Obviamente, assunto quente. Tem a ver com três aquecedores. Alguém entendido, muito crente, muito caridoso, ofereceu à paróquia. Melhor, a uma capela da paróquia. Pois. Ofereceu sem perguntar se faz bem, exige que se faça anúncio público da oferta. Escreve umas 15 linhas para o padre ler na missa. Coloca umas fitas bem garridas no alto dos aquecedores para que se veja quem ofereceu. Exige ainda que estes se mantenham na referida capela em memória de uma esposa.
A capela usufruiria, é certo, dos aquecedores da fé deste homem porque é mortuária, e dá sempre jeito para aquecer os que ali passam a noite. Mas a senhora responsável pela limpeza e chave da Capela não concorda. Não são precisos. São demasiados. Agora não. Está calor. E concordo que todos não. E que o senhor dos bolsos cheios também agiu de forma menos lúcida ou certeira. E vai daí uma balança nos meus pensamentos. E vai daí que a fogueira não se apaga.
E é tudo por amor a Deus. Uns porque sim outros porque também sim. Vêm uns, vêm outros. Todos têm razões. O padre assim e assado. Mas eu, cuidadoso, não me sinto obrigado a nada. Nem de um lado nem do outro. Ninguém me dá uma camisola marcada com o nome de quem ma ofereceu no lado do peito e depois me obriga a vesti-la no dia tal e tal, ou na semana tal e tal, digo eu. O senhor ri-se. E ninguém me obriga a retirar daqui os aquecedores ou a utilizá-los desta forma ou daquela, digo eu. A senhora ri-se. E andam nisto há semanas, envolvendo a paróquia toda, como se o aquecedor fosse um sinal obrigatório da nossa fé. As coisas que os nossos cristãos inventam!

segunda-feira, maio 22, 2006

Mas andas frustrado?

Telefonei. Já nem lembro porquê. Acho que era para pedir um favor. Demorou a atender, o meu colega. Pouco mais que trinta anos. Estava já para desligar quando atendeu. Seco. Diz, ouvi. Pasmei. Então rapaz? Muito trabalho? Demasiado, respondeu. Que fazes agora? Nada, respondeu. Estas aonde? Em casa, respondeu. Mas hoje não saíste? Tive uma missa, respondeu. As respostas secas assustaram-me. Que se passa? Não me apetece falar. Mas fechares-te é o pior que te pode acontecer! Não me apetece abrir-me, para variar. Estás a deixar-me preocupado. Deixa que isso passa. Pensei nas inúmeras tarefas que ele tem quando senti uma lágrima do outro lado. Não tenho tempo para mim, foi acrescentando. Só para os outros, e neste momento, apenas para fazer coisas. Já há muito que não tenho uma verdadeira folga. E precisava algo mais que isso. Precisava sentir-me especial. Precisava sentir que era especial para alguém. Mas és especial para Deus, disse-lhe. Eu sei. Mas agora queria ser especial para mais alguém. E os teus paroquianos? Respondeu apenas que Pois... Apeteceu-me dizer uma asneira. Refreei-me. Mas andas frustrado? Não és feliz? Não respondeu, nem com um Pois. Imagino que o corre corre da vida lhe leve o tempo para não ter tempo para pensar em si. E se calhar agora está a pagar por isso. A história vocacional dele é muito bonita. Conheço-a e admiro-a. Fomos colegas. Agora custava-me entender o que se passava. Bem, vou desligar, disse-me do outro lado. Eu ainda esbocei mais uma palavra, mas foi directa ao silêncio do bip bip. Baixei o auscultador e pensei. Bolas para ultimamente! Tenho cá uma sorte! Era para lhe pedir um favor e nem deu tempo. Também não devia ter tempo! E pensei: que raio de modelo de padre estamos nós todos, bispos, colegas, cristãos e ditos cristãos, a criar nos dias de hoje, que parece não trazer a felicidade aos que escolhem esse caminho? Vou rezar…

quinta-feira, maio 18, 2006

A sexualidade foi separada da vida

As duas à minha frente, mãe e filha. Não se entendiam. Decidiram recorrer a alguém imparcial. Como se eu pudesse ser imparcial nesta questão. Mas aceito, sem saber que vai sair daquelas caras em discussão. Mãe. Padre, a minha filha anda a ter relações com o namorado. Eu nem o conheço. Ela está a envergonhar-me. Diga-lhe que deve ter juízo e parar com isto. Filha, de 19 anos. Padre, mas eu amo-o. E faço o que me apetece. As duas falavam viradas para mim, mas dirigindo-se uma à outra. Eu, calado. Mãe. Padre, mas ela vai ficar mal vista pela sociedade. As línguas já começam a falar! Filha. Padre, mas eu vou ficar mal vista é se não tiver relações com o meu namorado. Lá na escola toda a gente faz. E quem não faz, é mal visto pelos colegas. A mãe, à antiga, teme a sociedade porque assim era no seu tempo. A filha, à pós-moderna, teme a sociedade porque assim é este tempo. Eu pesava na balança, quando a filha explode. Faço-o com quem quiser, desde que me apeteça. Sou livre. Ó padre, Deus não nos criou livres? Diga à minha mãe. Mas, ó filha, tu sabes que o sexo é para procriar, para ter filhos. Ó mãe, até parece que tu nunca tiveste prazer com o pai! Agora as duas viradas uma para a outra, sem se aperceberem da minha presença. Mas, ó filha, isso é para o casamento. Como te vai saber o casamento, se já não vais ter novidade alguma? Ó mãe, e quem te disse que eu me quero casar? Ó filha, e se não for este com quem vais querer passar o resto da tua vida? Ó mãe, e como queres que saiba sem experimentar se é mesmo com este que quero passar o resto da minha vida? Ó filha, tu dás cabo da minha vida. Não foi isso que eu te ensinei. Sempre te dei tudo, e agora fazes-me uma coisa destas! Ó mãe, eu amo-te, mas não tenho culpa de ter nascido! A mãe abraçou a filha. Minha filha. A filha deixou-se abraçar. Choravam as duas. E como vai ser agora, minha filhinha? Como te posso demover disso? Mãezinha, deixa que eu estou protegida. Já uso a pílula. Ó filha, mas eu não te levei ao ginecologista! Eu fui com uma amiga. Mas eu sou a tua melhor amiga, filha. Mas eu sabia que não ias aceitar. E o rapaz, ao menos é bom rapaz? Ó mãe, ele não quer conhecer-vos ainda. E tu, conheces os pais dele? Tu és louca, mãe?!... A conversa ia continuando. Já não era necessário ali, ou era, mas tinham prescindido de mim. Não deram conta que saí, a pensar. Sim, a pensar. Saio sempre a pensar. Quis dizer qualquer coisa, mas não deram hipótese. Só precisavam álibi para iniciar a conversa. Alguém que não fosse propriamente da dita sociedade que podia falar.
Eu saí a pensar que hoje a sexualidade foi separada da vida. A sexualidade separou-se da procriação, do matrimónio, do amor. Foi separada da vida.

sábado, maio 13, 2006

Fez-me só parar o carro

Eles estavam a abraçar-se. Na rua. Uma rua bem aberta e cheia de gente a passar. Primeiro achei despropositado. Depois achei um lindo acto de amor. Antigamente havia mais pudor. Hoje não há nada. Nem pudor, nem consideração, nem respeito. Mas há amor. Ou penso que há. Também era um simples abraço. Mas muito grande. Parei o carro. Não para coscuvilhar. Mas apeteceu. Lembrei os meus tempos em que era fácil dar um abraço como aquele. Ou que, pelo menos, era mais fácil. De novo imaginei coisas. Mas eu também dou abraços. Gosto de os dar. Crianças e velhinhos especialmente. Mas aquele abraço não me fez recordar esses. Fez-me só parar o carro. Demorar cinco minutos e ir para casa. Agora aqui, sem pensar muito, deu-me para escrever. Escrevo sem pensar. Sem esperar nada. Sem dizer nada. Não esperem que um padre não tenha destas coisas. Tem. E quando diz que não tem, é porque pensa que não tem. Eu tenho. Assumo como igualmente assumo que amo a Deus e que Ele me ama. Só. Só isso.

terça-feira, maio 09, 2006

O Mês de Maio

Hora da Eucaristia primeiro. Dia de semana. Portanto, Euca-ristia da semana. Cânticos, nada. Não é habitual, por mais que insista. Há, quando inicio eu o canto. À medida que a Eucaristia vai avançando chega mais gente. Ita missa est. Que também sei latim. Pouco, mas sei. Vai chegando mais gente ainda. Inicia de seguida o “Mês de Maio”. É assim que chamam. Terço ou rosário. Para os modernos rosário. Para a minha gente, terço. Eu fico a rezar com eles. Cânticos em cada mistério. Ita oração est. Final apoteótico com cântico. E com o meu sorriso amarelecido, ou colorido.
Já cá fora, perguntei à cantora mor: Porquê tanto cântico agora e antes não? Ela sorriu. O padre tá é com fome. A minha resposta pronta com nova pergunta. Também reparou que estavam mais pessoas agora? Olhou-me de espanto. Por acaso, sim. Pois, disse. Sabe, a Eucaristia é um sacramento, o sacramento cume dos cristãos, o alimento da fé. O terço é bonito, bom, importante, imprescindível. Mas não é um sacramento. Eu sei que há apenas trinta “Mês de Maio” por ano. Sei que é tradição. Estas coisas das tradições! Mas boa, pelo menos isso. Sei que é melhor rezar terço do que nada rezar. Sei que é bom pensar Cristo desta forma do que de forma nenhuma.
A questão não está nos Cânticos durante o terço ou no maior número de pessoas no terço. Mas na falta de cânticos e no menor número na Eucaristia.
Este padre, disse ela, está sempre a surpreender-nos. Bateu-me amigavelmente nas costas. Surpreendeu-se, e aprendeu uma lição. Espero. Estou para ver.

sexta-feira, maio 05, 2006

Porque foste tu a escolhida?

Não é vulgar encontrar gente de fé nas famílias dos defun-tos. Encontram-se raramente. E mesmo que se encontrem, é difícil que a sua fé seja manifestada corajosamente na dor. Eu sei como é difícil. Sei-o na pele. E sei que cada pessoa é uma pessoa. Não reagimos todos de forma igual. Porém, há dias, aconteceu-me algo que me espantou sobremaneira. A falecida era de família abastada, o que faz sempre supor um afastamento de Deus. Aquela ideia de não servir a dois senhores vem sempre ao de cima. Enganei-me rotundamente. Ela vinha de outra cidade. Não a conhecia. Mas a assembleia tinha gorras cinzentas, de consagradas. Um sinal. Mais do que um sacerdote. Outro. Mas isso poderia ser apenas sinal da grandeza dos bens. Enganei-me. Gente de fé. Gente de entrega aos outros. Descobri mais tarde. No entanto, não foi isto que me espantou.
Foi a irmã mais velha da falecida que, na hora da despedida, quando as quatro tábuas se iam cerrar, no meio de uma enorme dificuldade em gerir as lágrimas, soltou esta frase: Porque foste tu a escolhida?!
Primeiro, sinal que dói de verdade. Segundo, sabe que Deus escolhe e não mata, não leva, não nos tira. Terceiro, só alguém de fé percebe que Deus ama quem escolhe. Se escolhe, é porque ama, não?

quarta-feira, maio 03, 2006

sondagem_ "Que imagem tens de Deus?"

Passados que vão dois meses, e 286 votos, chegou a hora de avaliar a sondagem que estava no lado direito, no sidebar. A questão era: Que imagem tens de Deus?

Os resultados são: 
1º-Amor_ 47% 
2º- Pai_ 20% 
3º- Não tenho imagem_ 7% 
4º- Absoluto_ 6% 
5º- Todo-poderoso, e Refúgio_ 5% 
6º- Criador_ 5% 
7º- Juíz_ 3%
8º- Salvador_ 1%
9º- Bombeiro_ 0% 

algumas considerações: 
1. Todas as respostas tiveram pelo menos uma votação. Significa isto que há muitas imagens de Deus. Porém, logicamente, umas são mais claras ou mais correctas, ou mais vividas pelos homens do que outras. Por isso houve muita diferenciação. 
2. Os resultados confirmam aquilo que, pelo menos, eu esperava. A imagem melhor que temos de Deus é a imagem do Amor. Talvez pelo facto de ser tão difícil definir um, seja difícil definir o outro. Mas a escolha beneficia-nos a todos. Se Deus nos ama, será mais fácil viver esta vida, mesmo que ela seja difícil e penosa. Fica sempre a certeza de que vale a pena viver porque Ele nos ama. A mim apetece-me sorrir cada vez que dou conta do seu Amor. Aliás, foi isso que me fez optar pelo sacerdócio: bastava saber que Ele me ama, para ter a certeza que devia segui-Lo. 
3. Em segundo lugar foi escolhida a imagem do Pai. Aquele que ama, mas que ama como um pai ama os filhos. Aquele que nos quer dar tudo. Aquele que gera. Aquele do qual saímos. Aquele de onde vimos. Aquele que nos dá o sangue. O que nos dá a vida. 
4. Mais estranha parece ser a terceira opção. Não ter imagens pode significar não saber nada de Deus, ou ter tantas imagens que não se consegue optar por uma apenas. Qual terá sido o motivo da escolha dos que votaram nesta opção? 
5. Absoluto, Todo-poderoso… Prefiro ficar com a imagem de um Deus Amor, porque engloba tudo. Apesar de saber que tudo pode, que tudo é, gosto mais de pensar num Deus que tudo dá, que tudo cria, que tudo ama. Que cria porque ama e não apenas porque tem poder para criar. As imagens de imponência que atribuímos a Deus, às vezes, fazem-me pensar numa Igreja que anseia o mesmo. E eu não quero assim uma Igreja. Ainda bem que não foram muitos os que escolheram opções que indiciam esta ideia. Refúgio, sim. Aquele que ama refugia, acolhe. 
6. Salvador?! Porque terá sido tão pouco escolhido? Será que não sentimos a necessidade de ser salvos? Ou será que por Ele nos amar já nos sentimos salvos? 
7. Ainda bem que só uma pessoa votou no Bombeiro. Nunca gostei desta imagem para Deus, convenhamos. Aquela ideia de recorrer a deus apenas quando precisamos… 
8. Valeu a pena fazer esta sondagem. Para mim, valeu uma boa meditação! 

Hoje surge nova sondagem. Esta é mais pessoal, mais particular, mais clerical! A pergunta é essa: Que virtudes achas que fazem mais falta num sacerdote?