sexta-feira, abril 28, 2006

O meu pecado...

Abordou-me no meio da rua. Ó Confessionário, que se passa? Rendeste-te aos novos pecados? Estás com medo do Vaticano? Estás com medo do Cardeal Stafford? Não tens aparecido!! Foi assim de chofre. Eu desatei às gargalhadas. Como agora, ao escrever, porque é a única reacção que me lembra. E de chofre perguntei quais eram os novos pecados. Pois, que os pecados não aparecem assim, de um dia para o outro. Fazem-se, mas não aparecem. Os pecados sempre foram pecados. Eu costumo explicar aos meus penitentes que os pecados são as ocasiões em que nos afastamos de Deus, que O negamos, ou que fazemos de conta que Ele não conta nas nossas vidas. São as ocasiões em que deixamos de amar como Jesus ensinou a amar: a Deus, aos outros, a nós mesmos.... São as ocasiões em que nos esquecemos… Ele interrompeu-me para lembrar o que o Cardeal tinha dito. Ripostei que ele já tinha desdito. Ele desatou também às gargalhadas. Imaginem. E acrescentou. Essa de dizer que ver televisão, usar a net e ler os jornais em vez de passar tempo com leitura da Sagrada Escritura não está muito bem explicada! A actualização da Sagrada Escritura faz-se no dia a dia, nestas coisas da comunicação, não achas? Pois. Este raciocínio já o tinha tido eu. Por isso desatámos os dois às gargalhadas. Valeu para um momento de alegria e amizade.
Porém, após dois ou três puxões e palmadas, ele ainda me olhou de lado. Agora a sério. Estiveste desaparecido porque estavas confuso com esta história dos pecados novos!! Diz a verdade!! Então sim, foi de morte. Ainda me está a doer a barriga de tanto rir. Ó homem, estive hiper-ocupado, digamos que à beira de uma "depre", e depois fui descansar dois dias. Só isso. Mesmo assim, ficou com ar desconfiado. Ahahahhh…

sexta-feira, abril 14, 2006

Nós não merecíamos aquilo, repetia

Ele veio ter comigo após a Eucaristia da Ceia do Senhor. Lágrima no olho. Comovido. Nós não merecíamos aquilo, repetia. Não éramos dignos. E dava-me um abraço sentido. Eu dava também. São coisas de Deus, repeti para mim. E para ele retorqui que isto faz bem a todos, em especial à minha pessoa. Estávamos a falar da cerimónia do lava-pés. Eu costumo juntar doze homens e lavar-lhes os pés, como Jesus fez aos seus discípulos. Depois de lhos lavar, beijo-lhes o pé. Sei que não faz propriamente parte da cerimónia. Mas lavar pés não custa. Então, para me sentir mesmo servo de Deus para os outros, beijo. Este amigo em tempos, faz já uns anos, conseguiu fazer-me sofrer com palavras injustas, duras. Chamou-me mesmo de nomes. Desistiu das tarefas que cumpria na paróquia. Queria usá-las para ter poder e, discretamente, indiquei-lhe na altura que não eram assim as coisas de Deus. Já passou tudo. Sempre o tratei com o mesmo amor com que antes o tratava. Mas agora surpreendia-me. Não que ficasse numa de sou o melhor, consegui. Mas numa de gratidão para com Deus. Até porque estes dias não têm sido nada fáceis. A minha cruz tem sido pesada. E ontem senti-a mais leve. Esta cerimónia faz-me sempre bem. Faz-me recordar a minha missão verdadeira de sacerdote, o que ajuda a levar qualquer cruz.

A todos os amigos, faço votos de que aprendam com Jesus a levar a cruz. Que olhem a Ressurreição e renovem a sua esperança na vida. Boa Páscoa a todos!

quinta-feira, abril 06, 2006

Sabe o que é que ela me fez, padre?

Sentou-se ao meu lado, bem juntinha. Ainda me assustei. Não fossem os seus muitos anos e ficava intrigado. Mas não. Era por causa do segredo. Começou por ali fora a desfiar as maleitas. E que estava danada com a vizinha, aquela bruxa, dizia. Não lhe falava. Não podia. E falava, falava, falava. Justificava sobretudo. Não dava muita hipótese de a interromper. Tinha-me ouvido na homilia afirmar a importância do perdão, o exemplo do setenta vezes sete de Jesus. Infinitamente. Mas não podia. Só se fosse estúpida. No meio de tanta palavra, consegui dizer-lhe: uma coisa é a confiança, outra o perdão. Se acha que não merece a sua confiança, que abusa dela, então deve ter alguns cuidados. Que Deus não nos quer burros. Mas que o perdão é diferente. Que é algo de dentro. Que é amar mesmo os inimigos ou aqueles que nos fazem sofrer. E que é importante para estarmos em paz. Que o que perdoa é quem usufrui mais do perdão. Mas o senhor não sabe. E continuou a desenrolar uma série de questões ligadas a terrenos, a bens, a palavras, a pragas, a ditos, a coisas que a outra lhe contou, a Santora, que essa é muito amiga dela. E contou-me que ela disse isto. Eu já não sabia que dizer mais. A sua insistência era maior que a minha, a minha que, suponho, era a de Deus. Até que me deixou pasmo. Sabe o que ela me fez, padre? À hora em que o senhor eleva a sagrada hóstia lá em cima no altar… ela roga-me pragas. Pede a Deus que me aconteça muito mal. Perguntei: Como? Sim. Pede a Deus que me sequem os terrenos, e que me venha para cima uma doença de morte. Penso que até pediu que fosse o cancro.
Eu não resisti a mandar uma gargalhada. Primeiro uma que não é capaz de perdoar. Até pode ter razões. Mas Deus também as tem quando nos fala da importância de perdoar. Outra, pior ainda, usa o sacramento, a hora sagrada da consagração, para pedir a Deus o mal. Como se Deus usasse das Suas forças para o mal. Como vai por ai fora a nossa fé!! A minha gargalhada, acreditem, era irónica. Mas também a de quem já não sabe o que pensar desta gente. De quem já não sabe como Deus pode ter tanta paciência!
A propósito, qual das duas Deus ouvirá com mais atenção?!... porque Ele ouve toda gente!...