terça-feira, fevereiro 14, 2017

Eu na periferia

Estou triste comigo. Com uma daquelas tristezas que se transpiram pelos poros e que, por mais que se use um perfume ou um desodorizante, cheiram a bafio. Fiquei triste comigo há cerca de uns quinze minutos, lá pelas vinte e uma horas da noite, quando bati à porta de um pobre daqui da terra. Com a agravante de que para saber a morada, tive de pedir a alguém que me ajudasse. Sinto agora que isso era uma agravante porque estou a pensar nela. Os meus motivos eram bons. Não posso dizer que não eram bons! Mas depois que a senhora me abriu a porta, dei conta que esta não me conhecia. Sabia que eu era o padre porque alguém a avisara que eu daria por lá um salto. Claro que me posso desculpar dizendo que ela não me conhecia porque não vai à missa. No entanto, não posso por o acento da situação nela. Tenho de o por em mim. E se ela não me conhece é porque nunca me dera a conhecer. Porque nunca batera à sua porta. Porque não fora ao seu encontro. Ao encontro da sua pobreza. Da sua periferia. E agora estou triste porque, afinal, não sou o padre que deveria ser.

9 comentários:

Paula Ferrinho disse...



É um Padre que se dá conta disso e a tempo, de poder refletir, atuar e rezar, pedindo a Deus que desse encontro (que originou) possa fazer espelho para todos os outros, com todos os outros pobres, com todas as outras periferias às quais a nossa condição de "simples mortais" não nos deixa chegar.
Que a nossa falta de tempo (nossa e dos padres, mortais como nós), não nos deixe afastar (irremediavelmente) do essencial e acho, sinceramente, que o termos consciência disso, é o primeiro passo para a redenção.
É certamente, um bom Padre e eu gosto muito de ler o que escreve.
Um beijinho,

Anónimo disse...

talvez tenha andado a bater a outras portas!

Dulce disse...

Quando leio o que escreve nunca sei o que é real e o que não é...
Neste post imaginei de imediato Deus a bater à porta dos aflitos, dos esquecidos, dos ausentes... e de seguida pensei não seria maravilhoso se de facto Deus nos batesse à porta? mesmo que de levezinho, mesmo que hesitante, como seria esse bater?
Muitos acreditam no Deus ausente porque nunca o ouviram bater, não o conhecem porque de alguma forma nunca se aproximaram e Ele não se aproximou de volta. Ou então, talvez, o seu bater seja tão diferente que não o saibamos identificar.
Dizem os entendidos que Deus nos concede a graça da Fé... só a dá a alguns? E os outros? Os da periferia? Como é essa periferia? É a dos aflitos ou a dos zangados que não gostam nem entendem a ausência / silêncio de Deus?

Se o bater à porta tiver sido real, percebo a sua tristeza e vergonha. Não podemos mudar os defeitos dos outros mas podemos tentar mudar os nossos. E por isso sempre pode a partir de agora perguntar pelos ausentes e de longe tentar perceber as razões da sua ausência.
Talvez seja isso mesmo que faz Deus.

Anónimo disse...

Fique alegre, agora ela o conhece. Há tempo para tudo, com certeza ela ficou muito feliz por conhecê-lo pessoalmente, queria eu receber essa benção. Ao menos vens a minha casa através do e-mail.

Anónimo disse...

Padre, eu creio que é um bom padre, pois um bom padre não é aquele que faz tudo bem feito, mas aquele que procura fazer cada vez melhor, mesmo nas suas incapacidades e debilidades. Ninguém é perfeito, nem faz tudo bem feito!

Servir com Alegria disse...

Claro que é bom Padre, porque ouviu o chamamento e foi, isso é sinal de que Deus está no seu coração, e quer que esteja presente e vivo perto de quem precisa.
Hoje em dia os Padres têm menos tempo para estar com o outro na periferia, porque têm muitas paroquias e não conseguem estar em todas ao mesmo tempo, isso sim faz dos Padres estafetas de corrida, e não conseguem prestar atenção a todos estes pequenos sinais.
Jesus também chama no silêncio do seu tabernáculo, escutar o que Ele quer, sim e aí sejamos Luz Brilhante, no escuro das trevas do coração do Outro. Continue sempre com aquilo que tem MUITO AMOR E CARINHO PELOS OUTROS.

Anónimo disse...

Talvez por ter andado tanto tempo na periferia me custe a acreditar que exista um padre que fique triste por nunca ter batido à porta de alguem que esteja na periferia.Mas se existe mesmo isso e o Sr. padre é um deles, parabéns por fazer a diferença na Igreja!

Confessionário disse...

16 fevereiro, 2017 16:27

Não querendo voltar com as palavras atrás, porque elas são o que são, quero apenas dizer que já bati à porta de gente na periferia. Mas o facto de ter lá batido, não impede a tristeza por não bater as vezes que devia.
Mais, queria dizer que as periferias não são apenas as que se referem à pobreza. Há tantas periferias hoje que precisam de nós todos!

Anónimo disse...

Se houvesse uma maior preocupação por parte dos padres em visitar os da periferia, provavelmente o Sr. padre nao sentiria necessidade de escrever um dos seus post's anteriores "Igrejas a fechar"!