quarta-feira, março 13, 2024

O futuro da Igreja ou a Igreja do futuro

A Idade Média garantiu à Igreja um lugar na sociedade. A sociedade tornou-se cristã, sobretudo no Ocidente. Nascíamos praticamente cristãos. A fé não se questionava. A fé confundia-se com religiosidade. A religiosidade confundia-se com a cultura e, muitas vezes, com o poder temporal. Estamos, porém, numa época de mudança na Igreja. Estamos num tempo novo. Estamos, de certo modo, num tempo pós-cristão. Agora temos de anunciar o Evangelho a uma sociedade que já foi cristã, mas quis deixar de ser, e isso é novo. O primeiro anúncio era realizado junto de pessoas que não tinham ouvido falar do Senhor e agora é realizado junto de pessoas que se fartaram de ouvir falar dele ou que se fartaram de quem falava dele. 
Precisamos voltar ao início do cristianismo, recordando a razão do aumento exponencial do cristianismo. É a experiência do ressuscitado que tem de voltar aos nossos corações. É o testemunho dessa experiência que muda as vidas e os corações. O futuro passará por comunidades mais simples, mais pequenas provavelmente, ainda que em territórios grandes, mas numa organização mais aberta e participativa, mais vivas, coerentes e verdadeiras, mais capazes de testemunhar e ser exemplo, não tanto para a sociedade, mas nela. Serão sobretudo as relações inter-pessoais, familiares e afectivas, os instrumentos privilegiados da futura evangelização. Será necessário recuperar a vida normal como o espaço onde os cristãos dão testemunho de fé. A estrutura eclesiástica terá de assumir novos enquadramentos na sociedade e a sua organização eclesial terá de se assumir como um “nós eclesial”, deixando de lado "hierarquologias" instaladas. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "As paróquias que estão a morrer"

sábado, março 09, 2024

enterro religioso de animais

Um padre católico zoólogo, de nome Rainer Hagencord, há muito que se preocupa cientificamente com a relação entre o homem e os animais. O padre que, pelo que me foi dado ler, dirige o Instituto de Zoologia Teológica de Münster, é a favor de que haja igrejas para sepultar animais, pois hoje, e cito palavras suas que li, “os animais são membros da família de muitas pessoas”. Como, na sua opinião, o processo de luto requer rituais, há dias manifestava publicamente o seu entusiasmo com a inauguração de uma igreja para animais. Um outro senhor, professor de teologia moral na Universidade Católica de Linz, na Áustria, Michael Rosenberger, a este propósito, informava que as igrejas cristãs evitam os enterros religiosos de animais, mas não existem declarações doutrinais em contrários. 
Não sei se é necessário haver declarações doutrinais para justificar a acção pastoral da Igreja. Nada tenho contra o padre Rainer e o seu amor pelos animais. Numa época em que tanto se fala do cuidado da Casa Comum, faz sentido reaprendermos a cuidar dos animais. Contudo, inquieta-me pensar na hipótese dos animais serem considerados membros das famílias, serem tratados como pessoas e, ainda por cima, como se tivessem fé. É, no mínimo, altamente estranho. Carece de uma maior reflexão. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Será que os animais vão para o céu?"

quarta-feira, março 06, 2024

soalhos [poema 382]

há pessoas que são soalhos 
nascem no chão e dele não saem para ser outra 
coisa que terra onde se pisar. São esse caminho sem nome 
à espera de ser húmus

segunda-feira, março 04, 2024

A confissão pelas redes sociais

Estava em casa, assolapada no sofá, no meio das teclas da virtualidade e, quando se apercebeu que o seu amigo padre internauta estava disponível, perguntou-lhe se a poderia confessar daquela maneira, por email ou por whatsapp ou através de uma outra rede social. E o padre respondeu-lhe que a confissão era presencial, era um tu a tu com Deus por meio de um instrumento chamado confessor. Podia desabafar e receber conselhos pelas redes sociais, mas a absolvição é presencial. 
Porque já o fizera um dia destes, questionava-se também e questionava o seu padre amigo da internet se podia pedir perdão a Deus diante do Santíssimo Sacramento e se isso bastava para se confessar. Pelos vistos, tinha vontade em se confessar diante de Deus, mas não diante do padre. Muito menos de forma presencial, olhos nos olhos. Talvez porque custe ou porque nem sempre os padres temos sido acolhedores o suficiente. 
O que esta amiga não sabia é que uma coisa é pedir perdão a Deus, o que é sempre bom, seja em que ocasião for, e outra um sacramento com o qual recebemos especialmente a graça de Deus com o Seu perdão. Parece-me que se tem esvaziado o sacramento da Confissão. Percebe-se isso de forma óbvia na diminuição daqueles que se confessam. Mas também no modo como se percebe a graça sacramental. A confissão não existe apenas para descarregar pecados, mas para se encontrar especialmente com a Graça de Deus.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Já ninguém se confessa"

quarta-feira, fevereiro 28, 2024

Tê-lo cá para o ver e amar assim

O meu pai teve de ser levado, de ambulância, ao hospital e levar quatro pontos na nuca. A funcionária do lar não conseguiu segurá-lo para não cair. Com estas notícias fica-se com o coração a palpitar, embora se confie nas pessoas que cuidam dele. Como a sua saúde está frágil e o problema maior está situado no cérebro, com sucessivos ait’s, fica-se com o coração a palpitar nas mãos. Para tranquilizar as minhas irmãs, mas ao mesmo tempo porque é assim que penso estas coisas, ao informá-las da situação, disse-lhes e cito-me: O problema, penso eu, que não sei nada destas coisas, é que para a situação clínica do pai, estas coisas só pioram. Mas também sabemos que nada está nas nossas mãos. Nem podemos ser egoístas ao ponto de querer tê-lo eternamente connosco. É o que é ou o que tem de ser. Eu prefiro vê-lo e amá-lo assim do que não o ter cá para o ver e amar assim, mas a vida é isto. Somos frágeis e peregrinamos para um dia chegarmos plenamente a Deus!

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Feliz dia do pai"

sábado, fevereiro 24, 2024

A nossa língua

Num encontro de padres de diferentes idades e proveniências, antes da refeição comunitária, em bom modo eclesial, rezou-se para pedir a bênção dos alimentos. Qual não é o meu espanto quando o padre convidado para presidir à breve oração o fez em latim. Assim que terminou de rezar, naturalmente a uma só voz, a dele, eu intervim, em tom de brincadeira, para sugerir. Vá, agora, rezemos como deve ser. Alguns esboçaram um sorriso. Insisti, no mesmo tom, perguntando porque rezara em latim e, para aumentar o meu espanto, ele respondeu que era a ‘nossa língua’. Não tenho a certeza se ele entendeu o que disse ou se fui eu que não entendi. Falava seguramente do latim como a língua própria do clero, que o define e o delimita. E esta coisa da ‘nossa língua’ deixou-me inquieto. Durante a refeição pouco mais fiz do que alimentar maus pensamentos para com a ideia de uma certa casta especial que, dentro da Igreja, utiliza uma linguagem ou língua que ninguém entende, muitas vezes, nem os que a usam. Respeito que o colega diga o que pensa e faça como acha que deve fazer, assim como respeito as roupas ou gestos que utiliza e me parecem excessivamente clericais. Respeito a sua postura, porque faço esforço por respeitar as posturas que diferem da minha. Mas não gosto de ouvir expressões que parecem fazer de nós, os padres, gente especial.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "O colarinho branco"

sábado, fevereiro 17, 2024

A meia homilia

Estava a meio da homilia do funeral quando a senhora entra na igreja, sobe a coxia até ao cimo, perto do altar, como se nada estivesse a ocorrer ao seu redor. Todas as atenções se voltaram para ela. Também a minha. E depois as atenções passaram para os beijos e abraços sentidos aos familiares. Gestos que nunca mais paravam. Parei eu de falar. Porque paralisei, sem querer, o raciocínio da homilia. Perdi-o. Mesmo assim, ela não parou porque eu parara. Provavelmente nem deu conta de que tudo parara em seu redor. A homilia terminou pouco depois porque eu perdera o fio à meada e não consegui mais saber que dizer. Ela não teve propriamente culpa. As minhas capacidades é que não chegam para tanto.

A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Um senhor Joaquim"

terça-feira, fevereiro 13, 2024

A escassez de padres e a oportunidade

Há cada vez menos padres, sobretudo na Europa. A tendência vai em crescendo. Entre 1985 e 2005, houve uma redução de 11% no número de padres no continente. Dados de 2021, as últimas estatísticas do Anuário Estatístico da Igreja, davam conta que em 2020 houve uma perda de 3.632 padres na Europa, perfazendo um total de 160.322. O número de seminaristas em estudos teológicos também diminuiu, rondando uma perda de quase 900 seminaristas. O único continente a registar aumento, tanto num caso como no outro, foi África. 
Esta escassez poderia ser a oportunidade para se repensar uma Igreja clerical, patriarcal e, de certo modo, machista, que finalmente aceitasse transformar-se para se tentar tornar uma comunidade de pessoas a caminho, na diversidade e na complementaridade, na responsabilidade partilhada. Em vez disso, vemos os bispos e os planos pastorais a insistir no mesmo, mesmo que se usem slogan’s a pedir uma Igreja menos clerical e mais sinodal. 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os quatro primeiros apóstolos"

segunda-feira, fevereiro 05, 2024

Best post 2023 [parte III]

Deixamos os resultados da sondagem que perguntava: Qual foi para ti o melhor post de 2023? 

Os resultado passarão a estar junto aos restantes resultados de anos anteriores, AQUI.
 

terça-feira, janeiro 30, 2024

O padre e o outro lado da dor

Pouca gente se lembra dos que têm de trabalhar no meio da dor. Dos que estão do outro lado da dor. A Isabel não é assim. Não faz parte desse grupo. Ligou-me depois de ter ido dar um abraço apertado à ‘senhora Maria”, a senhora da funerária. E agora ligava-me para me dar um abraço pelo telefone. Com poucas palavras. Mas a chegarem ao coração como força. A Isabel tem o dom especial de estar atenta aos outros. Atenta ao ponto de ver o que poucos conseguem enxergar. Por sinal, hoje, aqui na paróquia, um acidente de automóvel e as mortes que ocorreram nele deixaram meio mundo num caos de emoções, eu incluído. E poucas pessoas conseguem entender a dureza do que é estar do lado da dor que não tem refúgio possível. O lado da dor que tem de dar a cara para que a dor pareça mais leve, como uma luz ténue ao fundo de um túnel. Esse lado que se aguenta somente por amor a Deus e às pessoas! 
 
A PROPÓSITO OU A DESPROPÓSITO: "Os funerais fazem-me dor de estômago"